Salessuir

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Goiás, Brazil
Com este nome dá para pensar que sou única, né? E sou,embora saiba que exista pelo menos uma outra salessuir por este mundão de meu Deus.Dela tenho esta única informação.De mim sei que já vivi o suficiente para saber de muita coisa e o bastante para entender que falta muito por aprender. Até que a Morte diga: Chega!
Direito de ir e vir daqui pra lá e de lá pra cá, não é ser livre... É gaiolar.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Amor de sobra


Depois do fim do asfalto da avenida, há uma decida íngreme. No fim dela uma montanha que a natureza não construiu e desconhece. A maioria das pessoas não a vê porque ela fica em um ponto inexistente para a gente do asfalto e o que os olhos não vêem não esta lá. E o que lá não está pode ser imaginado e o que se imagina nunca é o quê realmente é. Lá, poderia ter castelo, mas não tem. Poderia ter jardim, mas não tem. Poderia ser continuidade da cidade, mas não é. Para a montanha vai tudo o que a cidade não precisa mais: Comida, cacos, cacarecos, trapos, plásticos, restos. Gente: viva, quase morta, morta ou quase viva. Supérfluos.


Para além da montanha, que não é superficial, há quem veja o asfalto como se o firmamento fosse. Ticharles é um desses. Era, também, um dos meninos que sobreviventes de mazelas da estranha montanha. Conheceu o lugar ainda escanchado na cintura da mãe e com ela aprendeu a separar as coisas trazidas para a montanha: do nada importante dos outros era tirado o tudo de muitos.

Agora rapaz, seguia a não profissão do pai depois daquela briga com socos, ditos e desditos, ofensas, ameaças, pontas-pé, cheiro de álcool, facadas e pauladas que fizeram misturar sangue, suor e sujeira no sopé da montanha. Ticharles e seus três irmãos herdaram a carga do pai sem saber exatamente o peso exato disso tudo.


Sem saber o peso exato disso tudo, sem saber de Ticharles e seus três irmãos, Dayanni sabia muito bem da montanha. Ficou viva depois que foi dada como morta por quem não usava a montanha para a sobrevivência, mas para demonstrar como terminavam aqueles que não mostravam subserviência: Minha mãe me deu nome de princesa, dizia a si mesma, e nome é meio caminho andado, no mínimo tenho direito a um príncipe, né não? Como princesa que era, não se curvava pra ninguém. Não catava restos, embora vivesse deles. Não seria de ninguém que não fosse seu eleito. Nem na marra, jeito que aqueles urubus de duas pernas sempre usavam com as meninas que já não eram mais meninas.

Não acreditava em fadas. Vencia sozinha, bruxas e monstros todos os dias e estava atenta aos sapos de armadura reluzente : Uns bicho tudo falso... Por isso conseguiu enxergar Ticharles e seus cavaleiros debaixo daquela sujeira toda sem palácio, sem armadura, sem corte. De chinelo e vestido velho que a patroa deu foi ao baile. Sem magia encantou um brejo todinho, mas encontrou quem escalava a montanha diuturnamente com a mesma força sua. Ele não era e jamais seria da realeza porque essa sorte não passeia por estes lados da cidade com a facilidade que passeia nas histórias pra boi dormir que filme, novela, livro e revista contam.   

Apesar de faltar tudo aos dois, ela tinha a certeza de que a saída não estava em esperar alguém que tivesse tudo para lhe dar: quem tem tudo quer mais e mais e querer mais e mais não permite divisão. Ticharles dividia o que nunca teve com os irmãos. Dayanni dividia até as roupas com as irmãs. Eram de uma linhagem que, de geração em geração, sabiam viver de sobras e se sobrava até letra em seus nomes, por que não sobraria Amor?   

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