Salessuir

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Goiás, Brazil
Com este nome dá para pensar que sou única, né? E sou,embora saiba que exista pelo menos uma outra salessuir por este mundão de meu Deus.Dela tenho esta única informação.De mim sei que já vivi o suficiente para saber de muita coisa e o bastante para entender que falta muito por aprender. Até que a Morte diga: Chega!
Direito de ir e vir daqui pra lá e de lá pra cá, não é ser livre... É gaiolar.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Minininha


Para Gaby, que me pediu para contar uma história com 5 irmãs.
Não é esta, mas não resisti em contar pra ela algo que ouvi enquanto esperava alguém que se atrasou. Tem tanta literatura boa, andando por ai,  entre nós - pobres mortais!...


Maria Vitória é Minininha desde quando nasceu, depois do João Pedro, do João Miguel, da Maria Januária, do João Neto, do João Francisco, da Maria Amélia e da Maria Lúcia. O pai dela escolheu o nome Vitória porque ela lutou muito para estar neste mundão de meu Deus. Maria, assim como  João, nomes da mãe da mãe e do pai do pai de Minininha, não eram negociáveis.   
O pai, ocupado com a labuta da roça e preocupado em criá us minino tudo com decência, sem passá fome, pra sê gente de bem era a única coisa que importava nessa vida, não tinha tempo de i lá na cidade registrá a fiarada. Prometeu que quando nascesse a Maria Inês ou o João Paulo, ia dá um jeito de colocar no cartório toda sua prole. Não teve os tempos: o tempo de chamar um dotô quando a parteira quase não deu conta de desatravessar João Paulo e Mariadasdô, fraquinha, fraquinha... Morreu. Intransitivamente morreu. Não teve mais tempo algum. Nem o tempo da tristeza viveu direito porque tinha de fazer por onde não dar nenhum dos Joãos e nenhuma das Marias pra ninguém. Mesmo que fosse parente. E Minininha ficou menininha sem mãe.  Miuda, um tiquinho assim de gente, tinha preocupações de gente muito grande. Grudada na saia de Maria Amélia sentia tanta vontade de ajudar o pai a cuidar de todo mundo, ainda mais no dia, depois que Maria Januária foi embora com o homem do caminhão das bananas e o pai ficou amuado pelos cantos, secando uma lágrima ou outra.
Num ano, em que as coisas eram difíceis, mas iam andando devagar com a força de Deus, João Paulo não insistiu mais em viver depois que pegou uma quizila de gato. O pai quase vai junto.  Por isso Minininha não gosta mais de cachorro e gato. Só gosta de planta, porque lembra a mãe dela cuidando das plantas todas ao redor da casa. 
Foi neste mesmo ano que a mulher da padaria convenceu o pai de Minininha em deixá-la ir para a cidade. Para aprender um serviço. Prometeu que todo sábado e domingo, Minininha viria para a casa do pai e dos irmãos. Minininha pensou, matutou e argumentou com o pai que ela poderia ajudar na casa. A mulher disse que pagaria por semana e depois que ela tivesse o dinheiro todo reunido ia dar pra ajudar. O Pai concordou porque Maria Vitória era muito positiva. Isso era isso e Assado era assado.  Foi uma choradeira só.  As dores unem as pessoas e os jõaosemarias restantes eram pregadinhos.
Como prometido, Minininha foi visitar o pai e os irmãos depois de quinze dias, depois de aprender a lavar todas as formas da padaria bem lavadinhas, sem deixar uma sujeirinha sequer; varrer todos os cantinhos, não quebrar pratos, porque ficaria sem comer se isso acontecesse; depois de experimentar refrigerante de laranja por primeira vez com rosca de ontonte; depois de lavar seu colchão no riacho que passava no fundo da padaria, com os olhos rasos d’água e ao som das risadas dos empregados, sob a batuta da dona que regia a todos contando como a imundice, lesa e come-e-dorme tinha mijado na espuma. Ela iria aprender: Dormiria no chão até o colchão caro secar. Quatro dias demorou uma eternidade de muita vergonha e tristeza. Mas agüentou firme. A miudeza dela enganava o povo.
Só o perfume das rosas do jardim, igualzinho ao perfume da sua mãe, era bom. Do resto ela não gostou, muito menos de quando ouviu a mulher, dona da padaria,  querendo ser dona dela também: A minha menina nem nome têm. O pai ficou sozinho no mundo com uma escadinha de gente e nem registrou as crianças.  Pobre do jeito que é me dá Minininha fácil, fácil. Uma boca e uma preocupação a menos. Vai é me agradecer a caridade que estou fazendo. Vida e gente madrasta! Ainda bem que o pai não tinha inventado de arrumar alguém para por no lugar da mãe.
O pai ouviu e viu a pavonice toda da dona granfina: que Mininiha ia estudar, que isso, aquilo e aquilo outro, Teria muitos vestidos pra usar, continuaria a visitar os irmãos e o pai. Disso ela fazia questão. Em troca só queria que Minininha  ajudasse na padaria nas horas vagas  para não ficar a toa, com a mente desocupada. E pra ficar melhor ainda, registraria Minininha no nome dela. Era ou não era um tratamento para uma filha?
E no tempo em que criança não tinha voz, só o olhar. Minininha olhou não para o pai e o pai entendeu o recado. Disse pra dona da padaria que Maria Vitória era o nome dela. Que além de nome, ela tinha pai e irmãos ainda que não tivesse mãe. E que ele tinha dado sua palavra de homem pra Dasdô de que nunca iria separar os joãos das marias até que eles escolhessem onde e como se separar uns dos outros. E quando a dona da padaria entrou no carro ele ainda gritou que nem só de rosca e broa vive o ser humano.
Maria Vitória cresceu vivendo muitas outras histórias como Minininha. Viu Joãos irem e vir. Umas Marias ficaram e outras casaram.  Teve Maria que se perdeu na vida. Teve João que deixou de viver.   Seu João Amâncio já se encontrou com Maria das Dores, nem viu todos os netos nascerem. Tem um bocado de João no meio deles e agradece a Dona da padaria por tê-la ensinado umas coisas que só mãe ensina. Se não fosse a receita daquela rosca que ela aprendeu lá na padaria, não teria conquistado seu marido que lhe deu só dois filhos, bons meninos: João Amâncio neto e Felício da Dona Minininha. 

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